Pensamento Musical VI - A Música Como Abstracção (3)
Retórica e Prolongamento
Com o humanismo do século XVI, gerado pelo Renascimento, o pensamento recuperou algumas ideias da Antiguidade Clássica, sobretudo no que toca à gramática, retórica, poesia, história e filosofia moral. A relação da música com a prosa é, no entanto, mais antiga. Já John "Cotton", teórico do século XII, fazia esse paralelo. A articulação das frases da melodia corresponde às do texto.
Ilustração: Bach
Com Bach, a relação entre música e retórica conhece um significado muito profundo. Em 1723, o grande compositor escreve um conjunto de 15 peças de carácter pedagógico intituladas "invenções". O termo "invenção" pode-nos parecer um pouco confuso se não soubermos que não designa um género musical (viria a designar mais tarde), mas sim um termo que pertence à retórica, usado coloquialmente para designar a ideia temática essencial de uma peça musical. É importante compreender que este sentido de "invenção" (inventio em latim, ou heuresis em grego) tem de ser entendido numa altura em que a retórica, tal como a etimologia e filosofia natural, era uma ciência muito importante. Ou seja estamos ainda antes do tempo em que a teoria crítica dos iluminados do fim do século XVIII abandonam a retórica a favor da estética, substituindo a arte da invenção pelo poder da criatividade. Enquanto que a meio do século a corrente dominate defende que a base do génio é a invenção, já Kant pensa em 1790 (Critiques) que "a imaginação criativa é a verdadeira origem do génio e a base da originalidade".
Invenção designa portanto o tema de uma oração, mas também o mecanismo para descobrir boas ideias. Há numerosas provas de que Bach pensava, tal como os seus contemporâneos, que "invenção" era um conceito fundamental para o treino e actividade de um compositor. Como método, a invenção pertence às chamadas "divisões" da retórica tal como descritas por Cícero na sua obra De Inventione, amplamente conhecida na Alemanha do século XVIII, para qualquer pessoa com uma educação clássica mínima. Para Cícero, há 5 fases na criação de uma oração:
1. invenção (inventio)
2. disposição (dispositio)
3. estilo (elocutio)
4. memória (memoria)
5. apresentação (pronunciatio, ou actio).
Os teóricos da música do século XVIII simplificaram estas ideias, mantendo a analogia óbvia com a prática musical. Christoph Bernhard, aluno de Heinrich Schütz, reduz as 5 fases a 3:
1. descoberta (inventio)
2. amplificação (elaboratio)
3. realização (executio).
Já Mattheson tenta conciliar as duas interpretações, reforçando a ideia que música e retórica são análogas. Bach estava bem ao corrente destas ideias quando compõe as suas invenções. A primeira, em dó maior respeita as divisões com admirável clareza.
Uma análise mais detalhada excede o âmbito do nosso encontro de hoje, mas da retórica resulta um dos aspectos mais importantes do processo de criação musical: o conceito de prolongamento musical. Este conceito só estudado de uma forma sistemática no século XX pelo teórico austríaco Heinrich Schenker, revolucionando a forma como se estuda música dita tonal, através da análise e audição estrutural.
Com o humanismo do século XVI, gerado pelo Renascimento, o pensamento recuperou algumas ideias da Antiguidade Clássica, sobretudo no que toca à gramática, retórica, poesia, história e filosofia moral. A relação da música com a prosa é, no entanto, mais antiga. Já John "Cotton", teórico do século XII, fazia esse paralelo. A articulação das frases da melodia corresponde às do texto.
Ilustração: Bach
Com Bach, a relação entre música e retórica conhece um significado muito profundo. Em 1723, o grande compositor escreve um conjunto de 15 peças de carácter pedagógico intituladas "invenções". O termo "invenção" pode-nos parecer um pouco confuso se não soubermos que não designa um género musical (viria a designar mais tarde), mas sim um termo que pertence à retórica, usado coloquialmente para designar a ideia temática essencial de uma peça musical. É importante compreender que este sentido de "invenção" (inventio em latim, ou heuresis em grego) tem de ser entendido numa altura em que a retórica, tal como a etimologia e filosofia natural, era uma ciência muito importante. Ou seja estamos ainda antes do tempo em que a teoria crítica dos iluminados do fim do século XVIII abandonam a retórica a favor da estética, substituindo a arte da invenção pelo poder da criatividade. Enquanto que a meio do século a corrente dominate defende que a base do génio é a invenção, já Kant pensa em 1790 (Critiques) que "a imaginação criativa é a verdadeira origem do génio e a base da originalidade".
Invenção designa portanto o tema de uma oração, mas também o mecanismo para descobrir boas ideias. Há numerosas provas de que Bach pensava, tal como os seus contemporâneos, que "invenção" era um conceito fundamental para o treino e actividade de um compositor. Como método, a invenção pertence às chamadas "divisões" da retórica tal como descritas por Cícero na sua obra De Inventione, amplamente conhecida na Alemanha do século XVIII, para qualquer pessoa com uma educação clássica mínima. Para Cícero, há 5 fases na criação de uma oração:
1. invenção (inventio)
2. disposição (dispositio)
3. estilo (elocutio)
4. memória (memoria)
5. apresentação (pronunciatio, ou actio).
Os teóricos da música do século XVIII simplificaram estas ideias, mantendo a analogia óbvia com a prática musical. Christoph Bernhard, aluno de Heinrich Schütz, reduz as 5 fases a 3:
1. descoberta (inventio)
2. amplificação (elaboratio)
3. realização (executio).
Já Mattheson tenta conciliar as duas interpretações, reforçando a ideia que música e retórica são análogas. Bach estava bem ao corrente destas ideias quando compõe as suas invenções. A primeira, em dó maior respeita as divisões com admirável clareza.
Uma análise mais detalhada excede o âmbito do nosso encontro de hoje, mas da retórica resulta um dos aspectos mais importantes do processo de criação musical: o conceito de prolongamento musical. Este conceito só estudado de uma forma sistemática no século XX pelo teórico austríaco Heinrich Schenker, revolucionando a forma como se estuda música dita tonal, através da análise e audição estrutural.
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