Friday, April 07, 2006

Pensamento Musical I - Introdução

(conferência na Universidade Lusíada, curso de Arquitectura, Fevereiro de 2003)

Falar de música para não-músicos é um desafio em que a essência das coisas tem de ser apurada, em vez do conforto da discussão de especificidades técnicas, que só a músicos interessam. Passamos tanto tempo a decifrar e analisar o detalhe e a complexidade da construção musical, que corremos o risco de nos esquecermos do que é afinal mais importante: os aspectos psicológicos, emocionais, artísticos, e até sociais que fazem com que a música esteja tão presente nas nossas vidas.

A música atravessa uma fase interessante. Nunca na história houve tanta divulgação e sucesso comercial como hoje. Nunca houve tantas pessoas a ouvir e a consumir música. Nunca houve tantos músicos, profissionais e amadores. E no entanto, nunca foi tão desvalorizada, nem a consciência da sua importância foi tão apagada como agora. Ouvimos música em restaurantes, cafés, e até bombas de gasolina, mas não existem discussões sérias em roda da música, da sua estética, da sua educação. Tornámo-nos indiferentes à música. Há quantos anos não se verifica um escândalo na estreia de uma peça? A música teve outra relevância noutros tempos, ocupando um lugar central no pensamento, na política, religião, e até na ciência. Música utilizada para formar guerreiros na antiguidade. Compositores da Idade Média queimados na fogueira por usarem dissonâncias que representavam o diabo nas suas peças. Bach quase que foi preso por causa de um improviso entusiasmado ao orgão num hino que confundiu a congregação que o cantava. Na estreia da Sagração da Primavera em Paris, Stravinsky teve que gritar dos bastidores para o palco os números de ensaio para os bailarinos, porque estes não conseguiam ouvir a orquestra devido aos distúrbios na plateia, que acabaram em pancadaria.

Hoje em dia, a música tornou-se num fenómeno rodeado de indiferença. E no entanto, a relação da humanidade com a música tem uma história gloriosa, em que o pensamento e a prática musicais andaram de mãos dadas desde o início.

O pensamento musical começa com o próprio pensamento. A cultura europeia sempre teve uma enorme atracção pela antiguidade clássica. Com a música não foi diferente. Ao longo da Idade Média, os autores gregos e romanos foram fonte de sabedoria e inspiração para os criadores nas várias áreas. Mas enquanto que na filosofia, literatura, arquitectura e belas artes os exemplos existiam e podiam ser estudados (através de estátuas e monumentos, por exemplo), na música não existia uma única peça ou fragmento sobrevivente. Para os que acreditam que a história da música começa verdadeiramente com a notação musical, essa história começa apenas no século VIII, em plena idade média.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Caro Pedro Moreira,
estou bem contente com os textos que vc postou aqui. Parabéns pela qualidade da reflexão e escrita.
Gostaria de pedir que não deixe de atualizar este espaço, pois não podes imaginar a utilidade que ele tem e terá para eventuais leitores, curiosos e mesmo pesquisadores.
Um abraço.
Sebastião Edson Macedo
sedmacedo@gmail.com

5:50 AM  

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