Friday, April 07, 2006

Pensamento Musical III - Música Para Servir Deus

Em 312 d.c . o Imperador Constantino converte-se ao Cristianismo, dando início a mais de 10 séculos de domínio absoluto da cultura europeia, incluindo a prática musical. Com efeito, à medida que o Império se desmoronava, a Igreja consolidava o seu poder, tornando-se na principal força unificadora da Europa. Vários Papas tentaram uniformizar as numerosas liturgias locais, e a música não fugiu a essa normalização. O Papa Gregório II (715-31) teve particular importância nesse processo, ao reorganizar o repertório litúrgico, dando origem ao que mais tarde veio a ser conhecido por canto gregoriano.

Vários pensadores, conhecidos como os Padres da Igreja, deixaram testemunhos sobre a importância da música, influenciando a sua prática durante os séculos seguintes. São João Crisóstomo, São Basílio, Santo Ambrósio, Santo Agostinho e São Jerónimo acreditavam que o poder da música residia na capacidade de inspirar pensamentos divinos, para além de influenciar, para o bem e para o mal, a personalidade do ouvinte. Santo Ambrósio orgulha-se de usar a música para cativar fiéis. "Alguns dizem que já seduzi pessoas [para a fé] com as melodias dos meus hinos. Não o nego."

Mas mais importante era a necessidade de evitar o prazer da música só pelo prazer. A música devia servir apenas a religião, e nada mais. O próprio Santo Agostinho, num texto famoso, confessa-nos amargamente que cedeu ao pecado de se deixar comover pelo canto em vez do que era cantado:

"Quando recordo as lágrimas que derramei na psalmodia da Tua igreja, quando recuperei a minha fé, e como mesmo agora me deixo comover não pelo canto mas por aquilo que é cantado, quando é cantado por uma voz clara e uma melodia conveniente, então compreendo a grande utilidade deste costume. Por isso hesito entre prazer perigoso e plenitude provada, embora me sinta inclinado a aprovar a utilização do canto na igreja (apesar de não ter em relação a esse assunto uma opinião irredutível), para que as mentes mais fracas possam ser estimuladas para pensamentos devotos pelo deleite auditivo. Mas quando me comovo mais pelo canto do que pelo que é cantado, confesso ter pecado gravemente, e então lamento ter ouvido o canto. Vê o estado em que me encontro! Chora comigo, e chora por mim, tu que controlas os teus sentimentos mais íntimos da melhor forma. Para aqueles de vós que não reagem desta maneira, este problema não é vosso. Mas Tu, Senhor meu Deus, ouve, tem piedade de mim, e cura-me-Tu em cuja imagem me tornei um problema para mim próprio; e esta é a minha fraqueza."

Santo Agostinho, Confissões 10:33

No seu tratado De Musica (começado em 387 d.c.), defende as 3 principais características da música: claritas, integritas, veritas, qualidades que têm faltado a muitas peças ao longo dos tempos, incluindo o nosso.

A maior autoridade em música na Idade Média foi sem dúvida Boécio (ca. 480-524). No seu tratado De Institutione Musica, recupera ideias de teoria musical e filosofia da Grécia antiga. Para ele, a música divide-se em 3 tipos: musica mundana, ou cósmica, que regula as relações numéricas do movimento dos planetas e dos elementos; musica humana, que controla a união do corpo e da alma; e musica instrumentalis, ou música produzida por instrumentos (incluindo a voz humana), que deve reflectir a mesma ordem cósmica.

A imagem do Cosmos resultante das discussões de musica mundana e musica humana inluenciaram, entre outros, a estrutura do Paraíso na Divina Comédia de Dante. A doutrina da musica humana sobreviveu durante séculos, podemos dizer aliás até aos nossos dias: Boécio não deixaria de ter orgulho, mas também alguma estupefacção, ao ler a secção de astrologia nos jornais diários. Curiosamente, para Boécio, musica instrumentalis (a música tal como a conhecemos hoje) era a categoria menos importante das três. Música era, acima de tudo, a disciplina e compreensão dos fenómenos a ela associados, e não necessariamente a sua prática.

Tal como diz Donald Jay Grout, os cânticos da Igreja Romana são um dos maiores tesouros da civilização ocidental. Tal como a arquitectura românica, são monumentos à fé religiosa, e personificam o sentido comunitário e sensibilidade estética dessa época. Foram a fonte e inspiração da esmagadora maioria da música erudita na Europa até ao século XVI. Só recentemente foram abandonados, sobretudo a seguir ao Concílio Vaticano II (1962-65), em que o latim foi substituído pelo vernáculo local nos serviços da Igreja Católica.

A relação da música ocidental com a Igreja Cristã continuará nos séculos seguintes, atingindo o apogeu com um dos maiores génios de sempre: Johann Sebastian Bach. Bach escrevia no final das suas partituras as 3 letras SDG (Solo Deo Gloria). E no início: JJ (Jesu Juva).

2 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Este tema e de vital importancvia.
Obrigado

8:47 AM  
Anonymous Anonymous said...

este site e mt util para quem quer fazer trabalhos sobre a musica na teologia mediaval
espero q apreciem tanto este site como eu

2:55 PM  

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