Wolfgang Theophilus Mozart e o Paraíso Perdido
"(...) inventámos nomes para nós durante a viagem. Ei-los: eu sou Punkitititi. A minha mulher é Schable Pumfa. Hofer é Rozka-Pumpa. Stadler é Natchibinitschibi. O meu criado Joseph é Sagadaratà. O meu cão Gauckerl é Schamanuzky. Madame Quallenberg é Runzifunzi. Mlle Crux é Ramlo Schurimuri. Freistadtler é Gaulimauli".
As brincadeiras envolviam todos os seus nomes de baptismo (que era Joannes Chrysostomus Wolfgangus Theophilus Mozart), e consistiam em variações simples sobre o nome (De Mozartini, Mozartus, Mozarty), traduções para outras línguas (Wolfgango, Gottlieb, equivalente alemão de Theophilus), e variações mais complexas como Gnagflow Trazom, ou ainda anagramas como Romatz.
Mozart só começa a utilizar o famoso Amadeus (versão latinizada de Theophilus) a partir de 1774 numa carta dirigida à sua irmã (usava também Amadé). Maynard Solomon defende que a adopção universal de Amadeus no seu nome foi um processo póstumo provocado pelo sucesso da edição das Oeuvres Complèttes de Wolfgang Amadeus Mozart, da Breitkopf & Hartel em 1798-1806. Claro que o popular filme de Milos Forman contribuiu decisivamente para tal em tempos mais recentes.
Mas há uma forma do seu nome que aparece apenas numa fase da sua vida. Em toda a documentação oficial referente ao seu casamento (com Constanze Weber), em 1782, o nome inscrito é Wolfgang Adam Mozart. A escolha de Adam para substituir Theophilus (ou Amadeus) será engano ou uma alteração deliberada? Claro que Adam é um anagrama de Amad(é). Mas será a escolha de um nome com tantas implicações meramente acidental?
Adão (Adam) tem uma função muito específica no Jardim do Eden: é ele que dá nome aos seres vivos. Tal como Mozart, gosta de dar nomes às coisas. Vejamos Génesis 2-18:
"E o Senhor Deus disse: "Não é bom que o homem esteja só. Vou fazer-lhe uma auxiliar que lhe corresponda". Então o Senhor Deus formou da terra todos os animais selvagens e todas as aves do céu, e apresentou-os ao homem para ver como os chamaria; cada ser vivo teria o nome que o homem lhe desse. E o homem deu nome a todos os animais domésticos, a todas as aves do céu e a todos os animais selvagens, mas não encontrou uma auxiliar que lhe correspondesse."
Dar nome às coisas é conhecê-las. Para os antigos era frequente dar dois nomes às crianças, para que o verdadeiro permanecesse secreto para protecção de eventuais práticas de magia. Por outro lado, em rituais iniciáticos e casamentos é frequente a mudança de nome, o que aliás se mantém nos dias de hoje (veja-se o caso do casamento, ou a entronização do Papa). Freud leva a ideia mais longe. Para ele, dar nome a uma coisa é exercer domínio sobre ela.
Não é por acaso que só depois de dar nomes aos animais, ou seja, só depois de os conhecer, Adão constata que nenhum lhe corresponde. Depois da criação da Mulher, o texto diz: "Por isso deixará o homem o pai e a mãe e se unirá à sua mulher, e eles serão uma só carne" (Génesis 2-24). Também é conhecida a sequência: tentados pela serpente, provam o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal e são expulsos do paraíso.
O Homem, criado à imagem de Deus, reúne essas duas componentes, a divina e a terrena. Por outro lado há um aspecto que o distingue de todos os outros seres vivos (para além de ter sido o primeiro), é o único a quem Deus dá o sopro da vida (os animais, esses, assim que são criados vivem logo):
"Então o Senhor Deus formou o homem do pó da terra, soprou-lhe nas narinas o sopro da vida, e ele tornou-se um ser vivente." (Génesis 2-7)
Mozart tinha, desde cedo, plena consciência do dom que possuía, e frequentemente o atribuía à generosidade de Deus.
Por outro lado, Adão quer dizer Homem em hebreu, condição que, para ele, era ainda mais importante do que qualquer estatuto de nobreza concedido pelas convenções sociais. No início do segundo acto da Flauta Mágica, Sarastro é interpelado pelo Orador que lhe diz, acerca de Tamino: "Ele é um príncipe!". E Sarastro responde: "Mais, é um Homem!"
É difícil não estabelecer um paralelo com a situação de Mozart na altura do seu casamento. Depois de entrar em rota de colisão definitiva com o seu Pai Leopold, Mozart tinha abandonado pouco tempo antes a sua Salzburgo natal, contra a vontade dele. Já vivendo em Viena volta a ser atraido pela família Weber (anos antes tinha-se enamorado de Aloysia, uma das irmãs da futura mulher), em cuja casa se instala. Quando manifesta a vontade de casar com Constanze Leopold não pode estar mais em desacordo. De forma que este não dará o seu consentimento ao matrimónio, tão insistentemente pedido, até várias semanas após o mesmo. Mozart sabia que tinha enveredado por um caminho de independência do qual não podia regressar, e assim casou sem a autorização paternal.
Tal como Adão, preferiu a liberdade e o casamento em vez da segurança da protecção paternal. Tal como Adão, casou desafiando a autoridade do seu criador, consciente das consequências desse acto.
Concordo com Solomon quando sugere que a utilização do nome Adam não é acidental. Em várias ocasiões (incluindo o casamento) Mozart se recusou a apresentar o certificado de baptismo, quando para tal bastava fazer um requerimento ao registo da Catedral de Salzburgo. A sua recusa em fazê-lo poderá estar na base de nunca ter sido aceite no Tonkunstler-Societat (Sociedade dos Músicos) negando a possibilidade de a sua família beneficiar de uma pensão após a sua morte.
Dias após o casamento, Mozart regressaria ao seu nome usual, nunca mais usando Adam na sua assinatura. No entanto, na oração funerária maçónica em sua honra descrita por Karl Hensler em 1792 (Mozart tinha-se juntado à Maçonaria em Dezembro de 1784) foi designado 3 vezes como "A***". O número de asteriscos aponta provavelmente para um nome com 4 letras, e os iniciados tinham nomes secretos.
Seria Adam o seu?